O dia em que um macaco me chamou para a briga

4th April 2014

OK, Kerala é uma região linda, a cultura indiana impressiona e as pessoas devem ser as mais fotogênicas do planeta Terra. Mas ouça meu conselho: tome cuidado com os macacos. Eu estava ali, confortavelmente instalado em um bangalô fino do Vythiri Resort, no 11o dia de viagem, quando aprendi essa lição. Para mim, macacos eram bichos fofinhos, engraçados, que davam saltos incríveis de uma árvore para outra e cujos filhotes poderiam muito bem ficar procurando pulgas nos 12 ou 15 gatos lá da Vila Ângela, onde eu moro, em São Paulo. Na Índia aprendi que não.

Periyar Tiger Reserve

Nos 17 dias de viagem do #KeralaBlogExpress eu tive a oportunidade de ver elefantes (fossem eles domésticos ou selvagens), de encontrar pegadas de tigres no Periyar Tiger Reserve e de avisar as aves mais raras.

Pegada de tigre do Periyar Tiger Reserve

Mas os mais frequentes dos bichos avistados eram os macacos, aparentemente inofensivos.

No Vythiri Resort, o ambiente natural de floresta de montanha à beira de um abismo que escondia um riacho lá embaixo me convidou a ficar escrevendo na sacada do bangalô. Não me importei, confesso, com a plaquinha discreta que alertava aos hóspedes, em inglês: “favor não deixar aberta a porta da varanda”. Sentei e me pus a rabiscar impressões no bloquinho que eu tinha ganho de presente da Gaía, a brasileira minha fellow travelblogger do Kerala Blog Express que virou uma nova amiga e que ali tinha tirado a sorte grande de ter se hospedado em uma casa na árvore.

Casa na árvore do Vythiri Resort

Mas, putz, eu precisava checar uma informação que estava no folheto que tinha ficado lá na entrada do apê. Levantei para buscar o folder e, juro por Krishna, não passei mais que um minuto lá dentro. Foi  quando ouvi um barulho. Olho pro quarto e lá estão dois macacos bem dos folgados empuleirados na mesa do meu computador, abrindo a caixinha de chá e roubando pacotes de açúcar. Eu, todo pimpão, saí correndo na direção deles crente que era só gritar xô, como faço com as galinhas lá do sítio em Juquitiba, e eles sairiam correndo. Que ingenuidade.

O menor fugiu, ufa. Mas o grandalhão pai dele, talvez tio ou irmão mais velho, não arredou pé. Pelo contrário. Mostrou aqueles dentes enormes que poderiam trucidar minha canela, me encarou com a raiva com que se olham os lutadores de MMA e deu um passo rápido em minha direção, inflando o pulmão e batendo no peito como quem diz: “Ah, quer brigar? Pega eu, mano!”

Ponte no meio da mata no Vythiri Resort

Queridos leitores, o que você fariam numa situação dessa? Nos milésimos de segundo que eu tinha para decidir entre partir para a porrada com aquele ancestral selvagem (não, eu não tinha tomado vacina anti-rábica) ou sair correndo bangalô afora, gritando e dando vexame, para pedir socorro ao hóspede vizinho… eis que brilha sob meus olhos a cadeira diante do computador. Agarrei o escudo com vontade e ameaçei escangalhar os miolos do meu tatatatataravô peludo. O infeliz, que de bobo não tem nada, retrocedeu uns três passos rápidos e voltou pra sacada, sem jamais dar as costas pra mim. Eu, tremendo feito gelatina em terremoto, fechei imediatamente a porta de vidro.

O filho de uma Chita, bravo por perder o primeiro round, sentou sobre minha sunga, que secava sobre a poltrona da sacada, e continuou me encarando. Se eu compreendi bem sua mensagem telepática, era algo como “quer a tanga de volta? Então seja macho, abra essa porta de vidro e vem pro pau sem arma alguma”. Ah, macaquinho, daqui eu não saio, pensei. Dei uns dois ou três gritos pra ver se ele se mandava pra árvore onde seu comparsa assistia a tudo de camarote. O guerreiro seguia me encarando. “Daqui eu não saio, esse território é meu”, é o que ele queria dizer. Até que acho que se cansou de me encarar e se foi.

Nem preciso dizer que a porta da sacada ficou trancada a sete, catorze, vinte e uma chaves até o dia seguinte, quando fizemos o check-out e seguimos viagem pelas montanhas cheias de plantações de chá de Wayanad. Logo eu, que odeio ar-condicionado, me resignei e desisti de respirar o ar puro da montanha na hora de dormir. Dei graças aos deuses hindus por não ter sido eu o solitário a dormir na casa da árvore, como aconteceu com a Gaía. E dei umas boas risadas quando, na hora do jantar, fui compartilhar minha desgraça patética com a Ola, polonesa travelblogger minha vizinha. “Você não sabe o que me aconteceu”, começou ela. “Deixei aberta a porta da sacada e, de repente, seis macacos entraram no meu quarto”. Seis!? Provalmente, meu inimigo pediu o reforço da galera quando foi roubar os chocolatinhos que as camareiras tinham deixado sobre a cama da Ola.

 

 

 

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